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O tempo da ação – Educação, economia e a urgência de transformar o mundo

Matéria publicada em 22 de maio de 2025.

Em um mundo marcado por crises climáticas, desigualdades profundas e a escalada de discursos de ódio, a pergunta que ecoa é: como agir diante da urgência? Mónica Calderón Guzmán, ativista e coordenadora da Associação Beija-Flor e Rede Alegrias, não apenas reflete sobre essa questão, mas coloca em prática alternativas transformadoras. Com projetos como o Jardim do Beija-Flor — que revoluciona a educação desde a primeira infância — e a Rede Alegrias — que constrói uma economia solidária e regenerativa —, ela e sua rede desafiam modelos ultraados e provam que outro futuro é possível.

Neste texto, mergulhamos em suas reflexões sobre pedagogia libertadora, moedas sociais, colaboração radical e a coragem de agir quando o mundo pede mudanças imediatas. Em meio a incêndios na Amazônia, guerras e opressões, Mónica questiona: “O que estamos fazendo com nosso tempo?” — e convida todos a repensarem seu papel na construção de um amanhã mais justo. A hora é agora.

Tempo da Ação

“Este texto surge da reflexão do grupo de ativistas da rede Saúva sobre as práticas pedagógicas que medeiam nossa ação como ativistas nos projetos. Preciso partir da premissa que como ativista e como defensora da transdisciplinaridade não consigo pensar apenas em “práticas pedagógicas” como sinalizadoras de um modelo a seguir, prefiro pensar no conjunto de posturas éticas, morais, políticas e econômicas que sinalizam caminhos possíveis para realização de práticas transformadoras ao interior dos projetos que se traduzem em impactos positivos externos.

Acho que uma das dádivas de me entender cada vez mais como ativista e trabalhar com projetos regenerativos é a possibilidade de dedicar o tempo da vida a pensar e recriar modelos e práticas que promovam a transformação do status quo imperante e disfuncional. Essa potência individual que existe por trás da necessidade da ação coletiva me sustenta.

Atualmente, coordeno a Associação Beija-Flor, que tem como missão desenvolver projetos que traduzem práticas capazes de promover — ou pelo menos tentar — transformações significativas em um território ou comunidade. Além disso, envolvo-me em diversas ações para defender direitos que considero violados e nos quais posso atuar.

No caso do Projeto de Educação Transformadora Jardim do Beija-Flor, nosso objetivo é implementar práticas pedagógicas diferenciadas e transformadoras, visando ao desenvolvimento integral das crianças desde a primeira infância, com ênfase nas artes e na preservação ambiental.

Jardim do Beija-Flor

Por trás do projeto, há uma crítica ao modelo de educação herdado de um pensamento modernista ultraado, que ainda prevalece em nossa sociedade e claramente não tem gerado os resultados esperados: formar seres humanos com ferramentas críticas para agir, pensar e ser no mundo.

Quando o projeto nasceu, éramos mulheres e mães preocupadas com o presente e o futuro de nossas crianças, com a urgência de oferecer a elas uma educação mais “respeitosa”. Tínhamos como certeza que nossas ferramentas eram a natureza, a arte, a criatividade da maternidade e um conjunto de habilidades e conhecimentos individuais que, no coletivo, cheiravam a jardim.

Hoje, 12 anos depois, continuamos sendo mães com as mesmas preocupações, porém muito mais sábias, potentes, corajosas e confiantes e com um pouco mais de habilidades e conhecimentos. Vejo bondade em todas nós, no sentido de compartilhar as dádivas do Beija-Flor para além de nossas crianças. Atualmente, muitas crianças têm o Beija-Flor como referência e a oportunidade de vivenciar uma outra experiência pedagógica.

Como idealizadora, desejava que mais crianças pudessem se beneficiar disso que apenas algumas tinham o (nosso espaço físico não comportava mais de 20 vagas). Havia um pensamento em minha cabeça: “E se as crianças não podem vir até nós, nós vamos até elas”. Hoje, após muitos desafios, temos a possibilidade, em parceria com a escola pública, de alcançar mais crianças do que esperávamos.

No caso da Rede Alegrias, o principal objetivo é a construção de uma economia transformadora, inovadora, justa e solidária, por meio da experimentação, promoção e divulgação de outras formas de se relacionar economicamente, apoiando, incentivando e desenvolvendo ações em prol da regeneração do sistema social.

Ou seja, partimos novamente da premissa de que o modelo econômico vigente não atende às necessidades de uma sociedade marcada por excessiva concentração de riqueza, circulação limitada de dinheiro, desigualdade social, o a trabalho e renda, salários precários, crise ambiental e alimentar.

Barraquinhas da Rede Alegrias na Feira dos Produtores de Paraty

Nossa tese é que, se esse modelo não tem gerado os resultados esperados, outros podem ser pensados, pesquisados, testados e implementados. A Rede Alegrias é esse “tubo de ensaio” onde experimentações podem e devem ser feitas.

Hoje, no sexto ano da Rede Alegrias e em plena ebulição, nossa contribuição para a sociedade inclui:

  • Uma moeda complementar social que circula no território de Paraty, mas que tende a se tornar um modelo para a região;
  • Um banco comunitário que possibilita a circulação dessa moeda;
  • Um marketplace que garante a comercialização de produtos, serviços, dons e talentos;
  • Uma comunidade de mais de 200 pessoas que acreditam nesse mercado “paralelo”;
  • Uma cozinha solidária agroecológica;
  • Uma rede de estímulo às feiras locais como territórios de geração de trabalho e renda.

Tudo isso é movido pela emancipação de uma nova classe de produtores e consumidores com princípios alternativos ao mercado capitalista, onde a solidariedade é o vetor principal e valores como confiança, respeito nas relações, transparência, corresponsabilidade, colaboração, produção limpa e consumo consciente norteiam nosso trabalho.

As transações da Rede Alegrias são feitas no aplicativo E-dinheiro e em notas de Alegrias

Uma das realizações de qualquer cientista é a confirmação de suas teses por meio dos resultados práticos. Como cientista social, posso dizer que o trabalho desenvolvido tanto pelo projeto de educação transformadora Beija Flor quanto pela Rede Alegrias — incluindo as equipes executoras e os beneficiários — tem sido uma cadeia de realizações exitosas, embora ainda haja muito a melhorar, testar e desenvolver.

Como ativista gostaria de afirmar que por trás desses projetos existe potência de ação, que se valida não apenas em práticas pedagógicas como se tivéssemos uma tabula rasa a seguir e sim em um conjunto de posturas políticas, éticas e morais e que são necessárias a todo momento como ferramentas para ação.

Como aprendemos e o que aprendemos, como ensinamos e o que ensinamos — no nosso caso, a liberdade é ponto de partida e de chegada, assim como o respeito a todas as formas de vida, a defesa de seus direitos e a consideração da natureza como espelho desse processo de construção social, além de valores éticos básicos, como a prática da verdade.

Integrantes da Rede Alegrias na Feira da Agricultura Familiar de Paraty

Referências de linhas de pensamento — desde a filosofia da liberdade até a sociologia crítica, ando por os estudos subalternos e pós-coloniais, outras pedagogias, Foucault, Deleuze, Derrida, Lyotard, Bauman, Angela Davis, Flora Tristan, Vandana Shiva, e no Brasil Darcy Ribeiro, Freire, macselanni, djamila Ribeiro, Marielle,  Krenak… e quantos outros poetas, artistas, escritores e visionários — iluminam nosso caminho.  

Como socióloga e pedagoga, pensar em termos econômicos tem sido, em muitos momentos, difícil, mas também tem proporcionado inspirações que não seriam possíveis se eu pensasse apenas no campo social. Pensar a economia a partir da sociologia tem sido um exercício revolucionário e tem permitido a implementação de ferramentas que, talvez sob a ótica tradicional da economia, seriam consideradas “loucura” — como a criação de uma moeda complementar.

No entanto, hoje fica claro que pensar essa nova economia, essa nova educação, essa nova ecologia, também significa entender as lógicas do modelo vigente para poder subvertê-las. E, nesse sentido, estamos coletivamente trabalhando, testando, recriando e aprendendo o tempo todo.

Concluo refletindo sobre algo que tem comovido minha existência nas últimas semanas: o sentido de urgência. Diversos acontecimentos no mundo — das mudanças climáticas ao avanço da ultradireita, do racismo ao sexismo, das exclusões ao bullying, da violência ao domínio dos meios de informação, guerra generalizada e normalizada — nos alertam sobre a necessidade de agir com urgência, tanto no âmbito macro político quanto no cotidiano.

Mónica Calderón e seus filhos

Você já parou para pensar o quanto é necessário pensar com urgência em tempos que exigem ação?

Setores mais progressistas da sociedade pedem calma: para debater, planejar, realizar reuniões, fóruns e outras metodologias que, diante da urgência, apenas retardam decisões e inflamam debates enquanto injustiças são cometidas, pessoas morrem na Amazonia e em Gaza e florestas são devastadas.

Não estou criminalizando a calma — que, aliás, considero uma grande aliada —, mas tenho observado que, muitas vezes, essa “calma” é preguiça, ignorância, acomodação, coação ou medo.

Temos nos resignado como espécie a optar pelo silêncio sem prática em tempos em que deveríamos agir com voz, ação e decisão”.  

 Por Mónica Calderón Guzmán

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